Universidade Estadual de Ponta Grossa – UEPG
“O campo é um jogo no qual as regras do jogo estão
elas próprias postas em jogo”
(BOURDIEU, 2003, p.29)
RESUMO:
O
presente trabalho tem por objetivo refletir o campo de conhecimento e abordagem
da História, verificando a relação com seu objeto, seus limites, suas
possibilidades, bem como a maneira como são construídos seu discurso, sua
teoria e seu método. Nesse mesmo âmbito será pertinente pensar os interditos da
História enquanto campo disciplinar, como sendo aquilo que se coloca como base
ou como proibido a seus praticantes. Não se trata de uma pretensão em responder
todas as questões caras à esta temática, mas sim contribuir para uma importante
discussão em torno da disciplina e do ofício do historiador.
PALAVRAS
CHAVE: Teoria da História; Historiografia; Campo
disciplinar
ABSTRACT: The present work aims to reflect the field of knowledge and history approach, verifying the relationship with its object, its
limits, its possibilities and
how they are constructed his speech, his theory and
his method. In this same context will be relevant
interdicts think of
history as a disciplinary field,
as that which arises
as a base or as the
forbidden its practitioners. This is not a claim to
answer all the questions guys this theme, but
contribute to an important discussion about the discipline and profession of historian.
KEYWORDS: Theory of History; historiography; disciplinary field
A partir do fato histórico, são produzidos e elaborados diferentes discursos,
diversas concepções, que resultam em obras caracterizadas como “texto
histórico”; o qual está sujeito a reflexões, críticas que surgem, vindo de
outras vertentes de pensamento. Nesse contexto concordamos com Haydem White ao
afirmar que a realidade passada é o objeto de estudo da história ao passo que a
historiografia é o discurso produzido pelo historiador. (WHITE,
1991, p. 21) O historiador busca
compreender as ações práticas dos homens, os móveis que os animam, os fins que
os norteiam, o seu universo simbólico e suas significações que para esses
homens tinham seus comportamentos e ações.
De maneira prática a
história se volta aos eventos humanos no tempo e só se torna visível e
compreensível com a sucessão temporal, que por sua vez faz ser necessário à
reescrita contínua da história. (REIS, 1999. p. 08) O tempo é um fator
fundamental para a historiografia, pois com a sucessão do mesmo, novas questões
são propostas e o historiador, como responsável pela produção do conhecimento
histórico, tem uma vasta e mais profunda percepção do passado.
A história fomenta
questões, que são resultantes de um tempo vivido, um presente que é particular
a cada historiador, uma vez que toda a produção historiográfica está enraizada
em uma particularidade, um lugar social. A história se torna, então, uma
reconstrução narrativa, documental e conceitual do passado, porém construída em
um presente. (CERTEAU, 2006, p. 72)
Não há um passado fixo
a ser esgotado pela história uma vez que não existe verdade absoluta. A
história é constantemente escrita e reescrita tornando-se assim resultado de
inúmeras posições do presente, e a interpretação histórica vai depender de quem
a formulou, em outras palavras, vai se ter uma visão diferente ao analisar o
mesmo assunto escrito por “um nativo ou um estrangeiro, um amigo ou inimigo, um
erudito ou um cortesão, um burguês ou um camponês, um rebelde ou um súdito
dócil”. (MALERBA, 2006 p. 14)
O historiador Roger
Chartier usa das palavras de Michel de Certeau para falar a respeito da prática
historiográfica, enfatizando que:
ela [a História] é uma prática
científica, produtora de conhecimentos, mas uma prática cujas mentalidades
dependem das variações de seus procedimentos técnicos, dos constrangimentos que
lhe impõe o lugar social e a instituição de saber onde ela é exercida, ou ainda
das regras que necessariamente comandam sua escrita. (CHARTIER 1994. p. 112.)
A história enquanto
conhecimento, é constituída por uma série de discursos à respeito o mundo, se
apropriando do mesmo e atribuindo-lhe significados. (WHITE, 1999, p. 14) A
história é, porém, diferente de passado, existem livres um do outro embora
sejam aliados. (JENKINS,
Keith. p. 24) Podemos dizer que o
passado e a história estão distantes um do outro no tempo e no espaço, e essa
argumentação se dá pelo fato de um mesmo objeto de investigação ser visto e
interpretado por práticas discursivas diferentes, ao passo que cada uma dessas
práticas possui uma linguagem diferente e valores totalmente diferentes.
Ao observarmos um
quadro de uma determinada época, ou até mesmo uma paisagem atual, ambos serão
observadas e lidas de maneira diferente por geólogos, historiadores, artistas,
economistas, etc. Assim percebe-se que a história, embora seja um discurso
sobre o passado, está numa categoria diferente dele. (JENKINS, Keith. p. 25)
O
termo “passado”, deve ser usado para se referir à tudo o que passou em todos os
lugares; a história trabalha com fragmentos do passado, apenas com os fatos
importantes que não merecem cair no esquecimento.
Deste modo podemos
conceber que a historiografia é o mais completo testemunho que podemos ter
sobre diversas culturas que foram desaparecendo ao longo do tempo. O
conhecimento científico obtido pela pesquisa exprime-se na historiografia, para
a qual as formas de interpretação desempenham um papel tão relevante quanto o
dos métodos da pesquisa. A história se apropria de um discurso científico para
tratar do seu objeto, porém não possui um método distinto de pesquisa, segundo Hayden White (1999).
O conhecimento
histórico é produzido por um grupo de profissionais, chamados historiadores,
estes quando iniciam seu trabalho carregam certas coisas identificáveis e que
lhes são particulares. Levam a si mesmos, seus valores, suas posições, suas
perspectivas ideológicas, seus pressupostos epistemológicos, entre outros
fatores os quais os quais acompanham-no durante toda a pesquisa. O historiador
pode estar inserido em diversas categorias, como econômicas, sociais, políticas,
culturais, ideológicas, etc.
Não existem métodos
definitivos nem teorias definitivas que apresentem a verdade absoluta da
história, uma vez que o presente enquanto ponto de observação ou investigação
do passado, muda com a sucessão do tempo. Assim, o que se tem são apenas visões
parciais do passado, pensamentos que estão assentados sobre um ponto de vista
que é particular. Segundo Michel de Certeau, todo o historiador é marcado por
um lugar social, onde sua filiação teórica, filosófica e metodológica é que vai
estabelecer as questões a serem postas. (REIS, 1999, p.10) “A verdade histórica
talvez possa ser comparada a um caleidoscópio: os historiadores diversos e
sucessivos escolhem e sintetizam, serve–se de metáforas, formulam perguntas
especificas servem-se de fontes e técnicas diferentes”. (REIS, 1999, p.11)
Sendo uma narrativa de
acontecimentos, a História apresenta diversas variações em seus relatos;
(VEYNE, 1982, p. 20) podemos ter um mesmo evento, por exemplo, visto por vários
ângulos e analisada por diferentes métodos. O historiador não descreve
exaustivamente uma civilização ou um determinado período, ele não trata de
todos os fatos de maneira minuciosa de modo a realizar um inventário completo;
ele apresentará somente o que é necessário para se conhecer a determinada
civilização, escrevendo assim somente os fatos que marcaram seja a civilização
ou o período.
Todo o historiador
pretende oferecer um ponto de vista novo e mais abrangente ao escrever a
história. Muitas escolas históricas carregam consigo a ideia de que seu ponto
de vista é único, definitivo, construídas em bases objetivas e científicas,
desvalorizando assim as interpretações feitas anteriormente, e consequentemente
designando-as como equivocadas ultrapassadas ideológicas e etc., ignorando a
condição temporal em que se deu a elaboração da História. (REIS, 2001, p.11)
Ao colocar a pesquisa
por escrito entram em cena os fatores epistemológicos, metodológicos e ideológicos,
inter-relacionando-se com as práticas cotidianas, tal qual aconteceu durante
todas as fases da pesquisa. É preciso considerar que o historiador possui uma
vida familiar, ele está sujeito às pressões do local de trabalho, no qual se
fazem sentir influências de diversas pessoas; existem também as pressões das
editoras sobre diversos fatores como, por exemplo: a extensão o formato, o
mercado os prazos, o estilo literário (polêmico, discursivo, exuberante, etc.),
leituras críticas, a reescrita, entre outras. Porem ao produzir um conhecimento
histórico partindo da pesquisa seguindo da escrita até chegar à biblioteca, o
historiador passou por diversas pressões, sendo sujeito a diversas influencias,
o que com certeza entra em choque com o produto do seu trabalho. (JEINKIS, 2001 p. 18-19)
Mais que um exercício
intelectual, a história é uma operação, que produz e trabalha com a
historicidade. A construção de um conhecimento histórico exige o entendimento e
o domínio de procedimentos técnicos, exige um olhar sensível conceitualmente,
teoricamente formado e metodologicamente preparado. (CERTEAU, 2006, p. 72)
Quando nos referimos à
relação entre as três instâncias de temporalidade, “Passado”, “Presente” e
“Futuro”, nos referimos a um vasto objeto que instiga e provoca a constante
reflexão tanto de historiadores como outros intelectuais interessados. Desde a
antiguidade, pensadores como “Santo Agostinho e Aristóteles já dedicavam ao
“tempo” reflexões importantes que até os anos mais recentes têm servido como
patamares de diálogos para filósofos contemporâneos como Heidegger (1927) e
Paul Ricoeur (1983-85)”. (BARROS, 2010, p. 66) O tempo é fundamental para o
estudo da História, pois é a partir dele que as sociedades humanas são
analisadas, comparadas e transformadas em objeto. Segundo José D’Assunção
Barros, Reinhart Koselleck (1923-2006) é um dos poucos autores que forneceram
um “instrumental teórico mais apropriado para compreender esta questão na
Historiografia”. Koselleck desenvolveu a perspectiva de que cada presente não
apenas reconstrói o passado a partir de problematizações, mas que o presente
este resinifica tanto o passado como o futuro. Koselleck se refere ao passado
como sendo o “campo de experiências” e, ao futuro como sendo “horizonte de
expectativas” Mais ainda, para Koselleck,
cada presente concebe também de
uma nova maneira a relação entre futuro e passado, ou seja, a assimetria entre
estas duas instâncias da temporalidade. E não é por acaso que o título de sua
mais conhecida coletânea de ensaios é Futuro passado – contribuição à semântica
dos tempos históricos (Koselleck 1979). (BARROS, 2010, p. 66)
Segundo Koselleck,
entre o “espaço de experiência” e o “horizonte de expectativas” é sempre
estabelecida uma tensão, que é própria da elaboração do conhecimento histórico
e mesmo das diversas leituras sobre o fenômeno da temporalidade que vão
surgindo em cada época, as quais lhes são oferecidos no momento atualmente vivenciado.
Tanto a experiência como a expectativa são apresentadas por Koselleck como duas
categorias para uso da Teoria da História, que entrelaçam passado e futuro
(KOSELLECK, 2006, p. 308). Dessa maneira o passado, o presente e o futuro podem
se alterarem, contraírem ou se expandirem conforme cada época ou sociedade,
podendo modificar ou resinificar a maneira como são sentidas e pensadas.
Segundo David Lowenthal
(1998) nós conhecemos o passado porque ele nos cerca, ou seja, lembramo-nos das
coisas, lemos e ouvimos histórias e crônicas e vivemos entre relíquias de
épocas anteriores. Toda consciência atual se funda em atitudes e percepções do
passado, pois reconhecemos uma pessoa, uma árvore, uma tarefa, etc., porque já
vimos ou já experimentamos. (LOWENTHAL, 1998, p. 64). Para o autor, “somos a
qualquer momento a soma de todos os nossos momentos” (LOWENTHAL, 1998, p.64), afirma,
ainda, que o passado nunca está morto uma vez que ele existe ininterruptamente
na memória de pensadores e de homens imaginativos.
De fato ele [o passado] existe na
memória de todos nós. Consequentemente tomamos conhecimento não somente de
nossas ações e pensamentos anteriores, como também daqueles de outrem, seja por
testemunho direto ou de terceiros. Até sinais de experiência excessivamente
remota podem se tornar conscientes. (LOWENTHAL, 1998, p. 65)
Para Kosellek (2006) o
tempo não é algo natural e evidente, mas sim uma construção cultural que “em
cada época, determina um modo específico de relacionamento entre o já conhecido
e experimentado como passado e as possibilidades que se lançam ao futuro como
horizonte de expectativa”. (KOSELLEK, 2006, p. 09) O autor nos deixa claro que
a experiência pertence ao passado o qual se materializa ou se concretiza no
presente, de diversas maneiras, seja pela memória, pelos vestígios, pelas fontes
históricas ou até mesmo pelas permanências sentidas e percebidas no seio da
vida cotidiana. Segundo esse autor
A experiência é o passado atual,
aquele no qual acontecimentos foram ‘incorporados e podem ser lembrados. Na
experiência se fundem tanto a elaboração racional quanto as formas
inconscientes de comportamento, que não estão mais, que não precisam estar mais
presentes no conhecimento. Além disso, na experiência de cada um, transmitida
por gerações e instituições, sempre está contida e é preservada uma experiência
alheia. Neste sentido, também a história é desde sempre concebida como
conhecimento de experiências alheias” (KOSELLECK, 2006, p. 309-310).
As expectativas
correspondem a todo um universo de sensações e antecipações que se referem,
mais precisamente ao devir. Tudo o que se refere ao futuro, aqui é pensado,
seja relacionado aos nossos medos, nossas esperanças, nossos desejos, nossas
inquietações, etc. ao horizonte de expectativas. A experiência se realiza no
presente, que por sua vez é uma herança do passado, mas que produz inúmeras
sensações sobre o futuro, sendo uma expectativa que se realiza hoje. (BARROS, 2010, p. 68)
Podemos afirmar que a historiografia vem passando por grandes mudanças
desde a década de 1970; nesse contexto os intelectuais passam a ganhar espaço
como objeto de estudo, fugindo daquilo que Jean-François Sirinelli chamou de
“ângulo morto”. A história intelectual como nova abordagem parece ser um dos
resultados de mudanças que estão ocorrendo na historiografia, a partir de
constantes debates que vêm ampliando gradativamente, no interior do mundo
acadêmico. (ZANOTTO, 2008, p. 36)
De maneira prática, para além dos pressupostos teóricos, abordamos o
viajante inglês Richard Francis Burton entre 1863 e 1865, período em que
permaneceu como cônsul em Santos. Considerado
um dos mais marcantes intelectuais do seu tempo, nasceu em 1821 em
Hertfordshire e morreu em 1890 em Trieste; curiosamente viveu numa época de
grande importância política para seu país, período de reinado da Rainha
Vitória. Ele foi militar, diplomata, cientista, naturalista e autor de mais de
30 obras, entre relatos etnológicos e traduções; um explorador de vida
movimentada e romanesca que empreendeu ousadas expedições no continente africano
ao lado de John Hanning Speke. (RICE, 1991, p.19)
Como
cônsul inglês em Santos, Burton permaneceu entre 1865 e 1869, deixando
importantes narrativas sobre os lugares por onde passou. Relatos, estes, que
vão além da observação pitoresca e, nos servem de fonte histórica a
antropológica. Trata-se de um homem de ciência do século XIX e, para estuda-lo
nos apropriaremos das discussões pertinentes dentro do campo da História, mais
precisamente da História Intelectual.
Justificando
a afirmativa de que Burton foi uma das personalidades mais marcantes do século
XIX, ele falava 29 idiomas e vários dialetos,
disfarçava-se com muita facilidade, o que lhe possibilitou viver entre os povos do Oriente
e da África. Estudou sobre a cultura de povos asiáticos e africanos, fato que
permite verificar um pioneirismo em relação a Antropologia e os estudos etnológicos,
especialmente dado a suas produções e expedições ligadas à Royal Geographical Society e Antrhopological
Society of London, por volta da década de 1860.
Burton peregrinou à cidade de Meca em 1853, (sagrada e proibida aos não muçulmanos)
disfarçado de afegão; também foi à Harar, capital da Somália,
de onde nenhum outro homem branco havia saído com vida. (RICE, 1991, p. 231)
Juntamente com John Hanning Speke, como já mencionamos, explorou a região dos
Grandes Lagos africanos, promoveu a busca pela nascente do Rio Nilo, descobriu
o lago Tanganica Antes da posição consular em Santos, em 1861 foi nomeado
cônsul em Fernando Pó
(atual Bioko),
no mesmo ano em que casou-se com Isabel, numa cerimônia católica.
No
Brasil, Burton percorreu, Rio das Velhas, o Rio São Francisco, esteve em Minas
Gerais, na Bahia,
no Rio de Janeiro, em São Paulo, produzindo importantes relatos sobre a terra,
a gente, a geografia, etc. Tais relatos sobre o Brasil foram publicados em
Londres, no ano de 1969 na obra titulada Explorations of
the Highlands of Brazil;
uma ano depois seria publicada Letter from the battlefield of Paraguay, também em Londres.
Em
Londres, Burton teve Karl Marx como colega de pesquisa em algumas salas de
leituras nas grandes instituições de Londres (RICE, 1991, P. 19) o Historiador
Eward Rice, na tentativa de traçar um breve panorama do contexto histórico na
época de Burton, ressalta que
A
Revolução Industrial estava em pleno florescimento, transformando o verdejante
campo dos poetas ingleses em montes de miseráveis escórias humanas; as
potências europeias tinha recortado o mundo em colônias, protetorados e esferas
de influência; as invenções que diariamente modificavam o perfil do cotidiano
surgiam em avalanche e, à medida que aumentava a alfabetização, ideias de toda
espécie – revolucionárias, intelectuais, científicas e políticas – se
alastravam por todo o mundo com a força de uma epidemia. (RICE, 1991, p. 19)
Segundo Alexander Gebara “durante as décadas de 1850 e 1860 o nome de
Burton esteve associado as viagens de exploração e, principalmente, a geografia
e a antropologia inglesas”. (GEBARA, 2010, p. 121) Burton era membro da Royal Geogrephical Society de Londres a
qual financiava parte de suas expedições. GEBARA comenta a importância de
Burton para a referida instituição inglesa, enfatizando que
ele
contribuiu com artigos nas publicações da sociedade desde 1854, quando publicou
um texto sobre sua viagem à Meca. O auto recebeu uma medalha de ouro em 1859
por sua exploração da África Oriental e pela “descoberta” do lago Tanganica
durante a expedição, iniciada três anos antes, em companhia de John Hanning
Speke, e esteve bastante envolvidos nos acalorados debates sobre as origens do
Nilo, que dominavam boa parte dos interesses da [Royal Geogrephical Society] RGS para com a África naquele momento.
(GEBARA, 2010, p.121)
A particularidade na
apreensão dos textos, seja de Burton ou de qualquer “homem de ciência”
caracteriza-se como uma apropriação ímpar, é chamada por Chartier de “invenção
criadora no processo de recepção”, noção que valoriza o leitor enquanto sujeito
ativo no processo de interiorização de textos.
(CHARTIER, 1988, p. 131) O historiador Roger Chartier, apoiado nas
ideias de Michel de Certeau, menciona que a prática historiográfica é produtora
de conhecimentos por apresentar um caráter científico “mas uma prática cujas
mentalidades dependem das variações de seus procedimentos técnicos, dos
constrangimentos que lhe impõe o lugar social e a instituição de saber onde ela
é exercida, ou ainda das regras que necessariamente comandam sua escrita”. (CHARTIER,
1994, p. 112)
De acordo com Gizele
Zanotto (2008) os estudos de Chartier são referência para a análise da história
da leitura e das formas de apreensão do texto; tratam-se também de importantes
ferramentas para a análise da difusão dos textos, sua apreensão e sua difusão
em sociedade e, imprescindíveis para um estudo da história intelectual. Para a
autora, Chartier “evidenciou, a partir do desenvolvimento proposto nos estudos
de Fernando de Rojas e Pierre Bourdieu, que a apreensão de um texto não é a
mesma pelos seus diferentes leitores.” (ZANOTTO,2008, p.32) A autora ainda
enfatiza que,
Bourdieu, destacando a
historicidade não só da escrita mas também de sua leitura, sublinhou que um
livro muda pelo fato de não mudar enquanto o tempo muda, ou seja, a compreensão
que a sociedade tem sobre as questões se transforma constantemente, daí a
significação variar juntamente com o texto. Já Rojas, preocupado com a variação
de sentidos delegada a um texto pelo seu autor e pelos diferentes leitores,
considera a leitura como uma atividade produtora de sentidos singulares, não
redutíveis às intenções do autor. (ZANOTTO, 2008, p. 32-33)
Ao considerarmos que o
historiador tem uma particularidade, devemos pensar que, da mesma forma, o
leitor faz uma leitura singular. E que, portanto pode não apreender a leitura
no sentido original (autoral) do texto. Segundo Roger Chartier, como leitores,
produzem sentidos singulares de suas leituras; como autores sintetizam ideias
que serão lidas de formas singulares pelos seus diversos leitores, cada qual
com suas preferências, anseios níveis de exigência e compreensão particulares.
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